30 dezembro 2020

Dez anos depois, com o homem do sinal

Dez anos depois, eu me reencontrei com o homem do sinal.

Onde? No mesmo semáforo de antigamente, esquina da Barão de Miracema com a movimentada Avenida 28 de Março.

Naquele dia, domingo 27, estava sozinha no carro.

Ele estava só, sentado no meio fio.

Quando vi que era ele, abaixei o vidro.

Ele se levantou com a destreza de quem há anos equilibra a vida sobre uma perna.

O homem do sinal sorriu o sorriso de outrora, reconhecendo-me.

- Você está com o rosto mais cheio! - ele me disse, elegantemente.

Em seguida, sem reservas, perguntou se eu havia votado em Wladimir; se tinha filhos, recomendou que eu adote uma criança... Se eu continuava em jornal... Falou que o Monitor Campista (jornal centenário que foi fechado) deveria voltar a circular...

Entre o vermelho e o verde do sinal, aquele homem conversou amistosamente. 

Na sua lembrança, destacou que certa vez dei a ele uma caixa de halls para venda.

Dez anos depois, um gesto simples ainda nutria nele a esperança.

A moeda não era o principal. 

Naquela rápida conversa, ao final, ele disse, "não deixe de ter bom humor!".

Dei a partida. E segui.

A história pode ser bonita. A conversa foi amistosa. 

Mas nada tira a certeza de que o homem do sinal sobrevive.

E precisa viver.

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Veja, abaixo, o texto que escrevi há 10 anos.

O homem do sinal

No sinal de trânsito
Um vendedor de  guloseimas

Já sei seu nome
Ele, o meu

Seu sorriso me abraça
Tem dois braços
Uma perna

O homem do sinal confessa:
tem depressão

Espero o verde pra seguir
Ainda no vermelho
Falo de "sol"

Sigo o caminho
Nem sempre ele está presente

Se paro e o vejo, digo seu nome
Seu sorriso repete o abraço

Por uns momentos,
Embalamo-nos na noite
E ele se permite não vender
Eu me permito a janela aberta

Entre o vermelho e o verde
A pausa pra atenção
Ao humano do sinal

(Fátima Nascimento)

E também tem uma crônica em que mencionei o homem do sinal. Veja aqui.

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