Fátima Nascimento
Duas e quarenta da tarde. Garoa
fina. Como não sou de papel e nem de açúcar, coloquei a bicicleta na rua e saí
a pedalar pelo bairro, exercitando-me. Sabemos que podemos presenciar transtornos
no trânsito, testemunhar alguma discussão acalorada ou ainda ver pessoas
famintas de comida e de atenção de governantes e o antagonismo entre casebres
humildes e casas.
Segui rua adiante e entrei à
esquerda do primeiro cruzamento. Agora na ciclovia e sem o incômodo de pedalar
sobre paralelepípedos. Cinquenta metros mais e uma parada. O inesperado diante
de mim. Acontece todos os dias, eu sei. Mas não imaginei a cena numa tranquila pedalada
vespertina no Sábado de Aleluia.
“Foi atropelamento?”, perguntei a
um ciclista. Ele disse: “Não, foi assassinato. Dois tiros”. Um senhor também parou
na ciclovia e, ao ouvir a resposta dada a mim, comentou: “Aconteceu, não se
pode fazer mais nada”, e seguiu.
Passei quatro vezes no local do
crime, sempre na ciclovia. Vi a ambulância do Corpo de Bombeiros chegar. Os
homens cobrirem, na calçada, o corpo com saco plástico. A polícia parar. Amontoar
cada vez mais pessoas. Quem atirou? Por quê?
Webjornais noticiam ter a ver com
tráfico de drogas, que foram encontradas pedras de crack na roupa do jovem de 29
anos, que alguém teria atirado contra ele de dentro de um carro e que o rapaz
estava numa bicicleta.
Aberta a janela da memória. A
primeira vez que presenciei alguém alvejado a tiros foi no começo da década de
90. Um homem em um barraco, sobre a cama e um cachorro sentado ao lado do
corpo. Assim foi a minha estreia na televisão. Fiz um texto policial com alguma
poesia. Uma cena inesquecível! Outras estão no palco das lembranças neste
momento. Tristes.
Eu poderia ter encontrado um
boneco de pano ou palha no chão, malhado, em protesto à traição de Judas
Iscariotes a Jesus Cristo. Afinal, é uma das tradições do “Sábado de Aleluia”! Mas
o que encontrei foi um homem de carne e osso, sem vida, na calçada de uma movimentada avenida.
Voltei pra casa. E o céu ainda chorava.
6 comentários:
Queria que o sol chorasse na Bahia.
Fatinha você é brilhante em tudo que faz! Que texto !!!!
Obrigada, Jane, pela consideração e carinho!
Parabéns!!! Texto belíssimo!!
Pr. Alonso, obrigada por sua presença e comentário.
É de nos fazer perder o fôlego!
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