31 março 2006

Cantiga de acordar

Uma vez por ano os adultos poderiam voltar a ser crianças. Maneira de dizer, claro. É impossível retroceder quanto à idade. Mas que tal se a cada 21 de março, quando se comemora o Dia Mundial da Infância, resgatássemos pensamentos e atitudes que nos acompanhavam quando subíamos em árvores, dávamos cambalhotas, soltávamos pipa, brincávamos de roda, de boneca, fazíamos travessuras que arrancavam sorrisos de faces sisudas.

Não proponho que deixemos responsabilidades pra lidar com brinquedos, plantar bananeira no meio do escritório ou se pendurar no galho de uma árvore em plena calçada. Mas podemos fechar nossos olhos por alguns instantes e nos observarmos. Será que nos tornamos tão somente resultado do meio em que vivemos depois de adultos, cedendo a pressões, atendendo expectativas de outras pessoas, sendo tratores sobre vidas humanas? Ou mantivemos nossa integridade, inocência, justiça e lealdade?
Eu soltava pipa. Adorava quando uma caía lá em casa. Mas não demorava e os meninos batiam palmas ao portão. Todos se diziam donos dela. Só que não imaginavam que teriam que passar por um teste. “Se você é o dono, qual a cor da pipa que caiu no nosso quintal?”. Como não acertavam, eu e minha irmã ficávamos com a cobiçada pipa. Defendíamos nosso interesse, mas dávamos a oportunidade aos demais.

Se “cada pessoa pensa como pode...”, como disse Mário Quintana, eu desejo poder pensar como criança não apenas uma vez ao ano. Contudo, entendo que é preciso também matutar como “gente grande” pra não cair na armadilha de quem sepultou em definitivo a pureza do passado de cada um de nós. Muitos já não entendem a linguagem de um adulto-criança.

Thiago de Mello acredita “que os homens, embora se façam de fortes, se façam de grandes, no fundo carecem de aurora e de infância (...) porque é de amor que o mundo tem precisão”. Se tiver uma criança dormindo em você, acorde-a pra que uma nova história seja contada e vivida.
* Texto publicado em 21/03/2006 no Jornal Monitor Campista, onde tenho uma coluna semanal.
Foto by Fátima Nascimento

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Fátima!

Tá certo. Você perdeu a festa, mas só aquela, daquele dia... pois todos os dias são dias de festa. E, como disse num texto abaixo, nem pessimista, nem otimista, apenas sensato, acredito que possamos viver momentos festivos uns com os outros. Mesmo que o Lula dê as contas ao Paloffi (ótima a charge do Nei), que os escândalos se sucedam, que ainda não saibamos quem poderia ser menos pior que o mandatário-mor e sejamos obrigados a ver a dança da porquinha festejando mais uma fornada de pizzas e outras desgraceiras mais. Sempre teremos uma linda manhã de sol, uma tarde tranquila, um bom filme pra assistir, um gostoso papo com amigos e deliciosas visitas blogosféricas. Vamos combater e denunciar os abusos, os desmandos, a roubalheira, mas vamos também festejar, que afinal, não somos feitos de ferro. Então, aceite o convite e participe da festa!

Abração.

Fátima Nascimento disse...

BENTO, obrigada pelo seu comentário. Qdo voltar aqui, deixe o endereço de seu blog. Como vc não deixou o perfil disponível, não tive como saber o endereço dele. ZECA, obrigada pelo convite!

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Fàtima, que ser bonito você tem dentro de você. Você não apenas escreve poesia, você é uma poesia que desabrocha aqui e ali. Ser criança é ser como Jesus é.

Inocência com agilidade em busca do justo é uma forma de tornar e ensinar o mundo a ser melhor.

Poesia não é para a gente ganhar troféu de melhor poeta, é para a gente desabrochar vida por onde passar.

E você desabrocha em cumplicidade com a Vida. Sempre.

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